quarta-feira, dezembro 09, 2009
Livros e filmes e coisas sobre isso

O título que acabo de engendrar para este escrito, apesar de sugestivamente idiota por falta de melhor imaginação, sintetiza o cliché sobre o qual me debruçarei nas próximas linhas, aliás, com a avidez típica de quem se ampara em clichés. De qualquer modo, começando por dizer que não gosto de clichés, aproveito também para afirmar que gosto de lugares comuns, os quais, no meu léxico muito pessoal e até um pouco autista, são totalmente diferentes dos primeiros. Ainda assim, e para não escapar às brilhantes linhas com que intitulei este post, até porque falar sobre a dicotomia cliché/lugar comum não interessa nem ao menino jesus, vou brevemente iniciar a minha dissertação sobre o tema a que inicialmente me propûs, pese o facto de achar que o mesmo, embora também não interessando ao menino jesus, é capaz (sublinho, capaz) de interessar a alguns leitores deste blog.

"Um filme é um filme", dizia o senhor José Lino Grünwald numa antologia de críticas cinematográficas, escrita durante os anos sessenta e publicada uns bons anos mais tarde. Embora o título desse livro possa signficar que o cinema é uma realidade autónoma das restantes enquanto forma de arte, porventura o mesmo não terá passado de um decalque de um filme do Godard, razão que me leva a admirar ainda mais o título que escolhi para este post, aparentemente ao nível de génios como o Zé Lino, idiota pretensioso da crítica brasileira.

De qualquer forma, deixando-me de idiotices verborreicas e, debruçando-me nas fabulosas ideias de quem, sendo ainda mais idiota que o Zé Lino, considera que a juventude está perdida porque vê filmes quando devia ler livros, vou aproveitar para falar sobre uns e outros, dando naturalmente a minha opinião que, embora não editada em formato de papel, tenho fé que, daqui por uns milénios, venha a ser encontrada por um arqueólogo cibernáutico da próxima espécie dominante e a ter até mais valor que a do Zé Lino, dado que, nessa altura, ainda ninguém teria visto a Regra do Jogo do Renoir.

"Um filme é um filme" parece-me bem, como conceito, atente-se. Muito sinteticamente, a capacidade sinestésica do cinema concorre com a explanação de uma narrativa em plano paralelo. Ou seja, quando vemos um filme, quado ouvimos um filme, quando sentimos um filme, não conseguimos individualizar a sub-arte que o integra, absorvendo, no entanto, o seu todo. Não é só a música, só a côr, só a composição, só os efeitos sonoros que lemos individualmente, mas o que todos esses elementos representam em conjugação.

Um livro, por seu turno, também é um livro. É um conjunto de páginas que, através de uma linguagem própria e muito diferente da do cinema, serve para contar uma história.

Pontos que têm em comum: Se a linguagem não for bem usada, a história, por melhor que seja, perde o interesse. Por exemplo, se o autor de um livro usar frases tão compridas como as que tenho usado neste post duvido que alguém tenha pachorra para o ler. Por seu turno, se o autor de um filme cortar aleatoriamente com uma tesoura, não creio que alguém consiga ver o seu filme ou, se o vir, não venha a sofrer um ataque de náuseas.

Pontos que não têm em comum: Todos os demais, embora sinteticamente pense que os livros estimulam a imaginação, enquanto que os filmes, para lá disso, estimulam principalmente os sentidos.

Gosto de ler livros e de ver filmes. No entanto, enscandalosamente, aprecio mais os segundos. De qulquer modo, não tenho o hábito de ler os livros dos filmes que vejo ou vice-versa, salvo quatro ou cinco excepções, pelo que não me posso incluir no lote daqueles que têm por missão dizer frases como: "Um livro tão bom e um filme tão bera!..."; ou então: "Este realizador tem mesmo o péssimo hábito de assassinar livros!"

No que toca às excepções, encontro apenas um livro que me deu bem mais prazer a ler do que a ver em filme: "O Amante", escrito pela Marguerite Duras e realizado pelo Jean-Jacques Annaud. Porquê? Porque aquela mulher escreve como um anjo e aquele homem apenas realiza como um terráqueo; porque é um filme sem grandes estímulos visuais ou auditivos; porque é um livro com uma escrita intimista, voyeurista, deambolante, coisa que o filme, por pecado de mau uso da linguagem, não conseguiu atingir...

E se tivesse atingido? Será que nessa altura gostaria mais do filme do que do livro (perguntam os prováveis dois leitores deste blog que conseguiram ler este texto até ao fim)? Neste caso não, penso, mas na maioria dos casos parece-me que sim...

Ps: Desculpem a forma menos coloquial e até um pouco infeliz com que este post foi escrito, mas nem todos podemos ter as virtudes de um qualquer Zé Lino...
posted by Ursdens @ 2:44 da manhã  
2 Comments:
  • At 4:04 da tarde, Blogger P. said…

    Meia dúzia de coisas sobre o post.

    Demasiadas vezes o cinema é comparado a literatura como arte menor. Não as há (as artes menores), ou se as há admito que não sou capaz de as reconhecer. Pessoalmente, estimo particularmente o talento alheio na escrita. Mas recuperando de certa maneira o assunto de que falas - lê-se pouco (e acrescento mal e porcamente). A ausência de leitura leva inevitavelmente a que se escreva mal, e quando já se conhecem mal as palavras, é o próprio raciocínio que é afectado. Eu acho que Portrugal já tem muito disto nos nossos dias.

    Depois há um factor de linguagem, que é invariavelmente diferente entre cinema e literatura. Há livros que são pobres porque não exploram a sua linguagem (quando lia o código da vinci pensei que aquilo parecia feito a pensar em filme, p.e.). Depois há filmes que adaptam livros mas que têm medo de explorar a sua própria linguagem. Para não acusar coisas passadas falo do que vem aí. The Road, de Cormac mcCarthy, o livro é bruto, denso, enternecedor e violento. Uma das primeiras ideias que tive, já sabendo que ia ser adaptado, foi precisamente "não há maneira de adaptar isto". Claro que há. O ser bom ou não dependerá muito da capacidade de linguagem em cinema. E aí a questão é simples, não se adapta mccarthy fazendo um filme semelhante ao livro (até porque não se percebe bem o que isso seria). a única forma de o filme ser bom o suficiente para se afastar desse peso de ser comparado ao livro, é precisamente ser capaz de ter uma linguagem própria. Tem de ser arrojado em cinema, tal como o livro é arrojado em literatura. Não vou reler o que escrevi (o tempo escasseia constantemente), mas espero que me tenha feito entender.

     
  • At 4:52 da manhã, Blogger Ursdens said…

    E pronto, já cá cantam os dois que leram o post (um foste tu, o outro eu, eheh!)

    Passando ao que interessa, concordo que se lê pouco e mal. O pouco é notório e o mal dentro do pouco é visível nos tops de vendas.

    Quanto à diferença entre a linguagem cinematográfica e literária, concordo que ela é evidente, embora não veja essa diferença exactamente como tu a vês...

    Sempre se disse, e provavelmente continuará a dizer, que um remake de uma obra de arte (e aqui incluo a adaptação de um livro para o cinema) apenas teria valor se não se limitasse a decalca-la; se, para lá de um remake, fosse uma verdadeira reinterpretação. É uma espécie de imperativo categórico da crítica, seja ela cinematográfica, musical, ou qualquer outra...

    No entanto, em relação às adaptações de livros para cinema, não vejo as coisas desta forma... Entendo que um livro nunca pode estimular os sentidos, enquanto que um filme pode. Entendo que o acréscimo sensitivo que o filme traz tem valor por si só, ainda que a linguagem usada não acrescente nada à densidade dramática ou à exploração da narrativa, conquanto a mesma seja bem usada, de forma a transmitir em película o que o escritor transmitiu em papel.

    Quando há uma verdadeira reinterpretação, ou seja, quando o remake acrescenta algo à obra primitiva, mais, quando esse algo ainda por cima é extraordinário, então estamos perante "pérolas", o que não significa que "turquesas" não sejam aceitáveis, não tenham o seu valor e não possam ser, por alguns, consideradas melhores que o livro.

    Exmplos de "pérolas": Morte em Veneza do Visconti, Hiroshima meu amor do Resnais.

    Exemplos de "turquesas": O leitor do Daldry, ensaio sobre a cegueira do Meireles.

    De qualquer forma, isto é apenas a maneira de eu encarar a questão e o espírito menos assertivo com que o post foi escrito apenas se deveu a intempestividade momentânea... (leia-se, tinha acabado de olhar para a capa do livro do Zé Lino) :P

     
Enviar um comentário
<< Home
 
 

takeabreak.mail@gmail.com
Previous Post
Archives
Cinema
>> Críticas
>> Filme do mês
>> Grandes Momentos
>> 10 Filmes de Sempre
>> Balanços
"Combates"
Críticas Externas
Música
>> Concertos
>> Discos
>> Sugestão Musical
>> Video da Semana
>> Outros
Teatro
TV
Literatura
Outros
Links
Affiliates